ESSA PEDRA I
Essa pedra, diante da qual tu estás
sentado,
Conhece-me há anos, há mais de
sessenta.
Se falasse, diria que seu corpo
maltratado,
Até hoje reclama pela unção de água
benta,
Prá curar na sua carne feridas
dilacerantes,
Que os pés dos colegiais do grupo
escolar
Produziram, co’as disparadas
estonteantes,
Enquanto gritavam e riam, sem nunca
parar.
Velha pedra, não me condene – era
criança.
Não fazia idéia que os pés, na minha
dança,
Jogados de súbito nas suas carnes
naturais,
Causariam, com o tempo, essas
rachaduras,
Das quais, Velha Pedra, não te
livrarás mais.
Perdão, por lhe ter causado tantas
amarguras!
Cyro Martini – agosto 2011
ESSA PEDRA II
Eu julgo ter ferido tuas cares
naqueles dias.
Há quantos anos num passado bem
distante,
Eu, de pés descalços, enquanto
talvez tu rias,
Ia a teu encontro, prá lançar-me num
instante.
O impacto de meus pés, não pensando
em ti,
Mas apenas brincando como uma
criança feliz,
Talvez lhe doessem muito mais do que
sentir
Nas carnes, na alma, embora não
fossem vis.
Aquele grupo escolar dos guris dos
arredores
Foi-se dessas casas, mas tu, Pedra,
ficaste aí.
O tempo deu-te essas rugas, te
envelhecendo.
Também envelheci, com alegrias e com
dores.
E, com os cabelos brancos, estou diante
de ti,
Olhando e, àquele meu passado, estou
vendo!
Cyro Martini – agosto 2011
INVERNO DO PASSADO
Hoje, saí
Procurando pelo passado,
Procurando pelo vento gelado,
Procurando pelo capim
Branco pela geada...
Não encontrei nada.
Mês de julho,
Frio de rachar os dedos;
Já desde cedo,
Gurizote andando pela rua,
Desviando do terreno embarrado,
Assim era no passado.
No terreno acidentado,
O gurizote por lá andava,
Cuidando por onde pisava,
Seguia, atendendo sua obrigação.
Cedo do dia ainda,
Frio de gelar, mas a manhã era
linda.
Mas onde está o passado?!
Mês de julho: calor!!
Quem poderia supor?!
Chuvinha miúda... fria,
Mas o corpo rijo do guri
O dever tinha de cumprir.
E cumpria sua obrigação.
Ainda iria para o grupo escolar;
Também tinha que estudar.
De guarda-pó e tamanco,
Contente da vida,
A que ficou por lá perdida.
E o frio de julho!?
Onde ele está?!
Olho... não o vejo nem aqui nem lá.
Perdi o meu passado:
Em vez de frio... calor.
Não há frio... se vá por onde for.
Outros tempos são estes.
Aqueles frios não existem mais.
Ficaram lá atrás.
Se ficava se aquecendo sob o sol,
Diante da moradia,
Para aquecer-se naquele dia.
Frio de renguear cusco,
Assim todos exclamavam
E sob o sol, onde estavam,
Por mais que imaginassem,
Jamais eles pensariam
Que o mês de julho seria assim um
dia.
Mês de julho com calor!
E o inverno com geada onde ficou?
Daquele inverno, nada restou?
Até o tempo não é mais o mesmo.
Boquiaberto... espantado...
Pergunto: onde está o passado?!
Cyro Martini – julho 2015
PINGENTE
De manhã...
Dependurado no bonde,
Ia para o colégio.
No passado, não sei onde,
Lá ficou o meu prazer.
Dependurado no Partenon,
Gostaria de reviver.
No para-choque dependurado,
Dianteiro ou trazeiro.
Em qualquer lado,
No acesso sem porta...
Até na lateral...
Onde não importa.
No centro descia,
Co’os livros na mão,
Para o colégio... eu ia.
Bom tempo!
Não volta mais
Prá mim... prá ninguém.
Ficou lá... lá atrás!
Cyro Martini – fev 2015
Apresentamos alguns poemas do pesquisador Cyro Martini que falam do passado. Essa Pedra
I e Essa Pedra II se referem, provavelmente, aos matacões do pátio do atual Arquivo
Histórico, antiga Escola Apeles Porto
Alegre,onde Cyro estudava.
Em Pingente,
ele resgata a época dos bondes em Porto Alegre.
E, em Inverno do Passado, ele discorre sobre um dos assuntos mais comentados atualmente no
RGS:o verão fora de época.
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